Você já parou para pensar, enquanto estava no caminho para a escola ou naquela hora gostosa antes de dormir, em qual foi o melhor filme que assistiu na vida, ou, quem sabe, qual música marcou a sua trajetória como indivíduo? É muito comum estabelecermos uma espécie de ranking para determinar quais foram as coisas mais legais que já vimos ou vivemos, entretanto raramente paramos para pensar no motivo pelo qual fizemos aquelas escolhas. Eu, por exemplo, comeria pizza durante todas as minhas refeições, mas por quê? A verdade é que, mesmo que de forma inconsciente, estabelecemos alguns critérios para fazer escolhas e isso não quer dizer que a opção subjugada seja ruim ou insuficiente para outros: talvez ela APENAS não se encaixe naquilo que concluímos como sendo “o melhor”!
Pense em suas preferências literárias: Machado de Assis ou Guimarães Rosa? Poesia lírica ou poesia épica? Clarice Lispector no ônibus ou numa confortável rede? Nenhuma dessas opções, como você já deve ter percebido, é ruim ou não proporcionaria uma boa experiência de leitura, porém a nossa personalidade se inclina para uma delas por ser “mais compreensível”, “mais empática com nossa realidade” ou simplesmente “mais confortável.” O fato é que, mesmo nos momentos mais introspectivos de nosso dia, fazemos escolhas com critérios. Esse raciocínio não é diferente no mercado de trabalho, pois empresas não optam somente por aqueles candidatos que tiveram as melhores notas no período da universidade – outros fatores como experiência profissional, valores comportamentais e até mesmo tempo de locomoção para o trabalho são considerados na contratação de um novo colaborador.
Resumindo a ópera, isso diz mais sobre a compatibilidade das necessidades da empresa do que sobre um julgamento de valor em que um indivíduo é, sem dúvidas, irremediavelmente melhor que outro.
Agora, tomemos como exemplo algo que envolva milhares de opções: como poderíamos estabelecer um ranking entre elas? Será que os critérios por nós adotados conseguiriam realmente ser justos na determinação das melhores escolhas? Provavelmente cometeríamos algumas gafes, pode ter certeza disso! Entretanto, se essas milhares de opções fossem redações dissertativas para um vestibular e os critérios estabelecidos (bem como seus respectivos pesos) fossem de livre acesso aos candidatos, pelo menos justificaríamos de modo mais claro o porquê de considerarmos a avaliação dada como justa.
Um bom modelo de avaliação para compreendermos melhor o que acabei de dizer é o ENEM. Em seu exame dissertativo, são estabelecidos cinco indicadores – podendo o candidato somar 200 pontos em cada um deles – como parâmetro para determinar o quanto aquela redação está adequado à proposta pedida:
1. Domínio da escrita formal em língua portuguesa;
2. Compreensão do tema e aplicação das áreas de conhecimento;
3. Capacidade de interpretação das informações e organização dos argumentos;
4. Domínio dos mecanismos linguísticos de argumentação;
5. Capacidade de conclusão com propostas coerentes que respeitem os direitos humanos.
Vamos supor que um candidato tenha escrito uma redação que atenda a todos os indicadores, mas que não concluiu com uma proposta de intervenção para o tema proposto. Provavelmente, por não conseguir pontuar no último critério, sua redação receberá, no máximo, a nota 800! Isso, repito e insisto, não quer dizer que a produção textual dele seja menos interessante ou encantadora que outras com avaliações com notas maiores, mas somente que ela não atendeu a todos os indicadores que o ENEM considerou importantes.
Não raramente percebo que meus alunos, ao conversarem comigo sobre redação, mostram um pouco de frustração quando a nota não atendeu plenamente às expectativas. Tento, sempre de maneira positiva, mostrar o quanto aquele texto pode ser bom em outros contextos e o que ele precisaria ter para receber uma avaliação melhor para aqueles critérios que estabeleci ou combinei com eles. Por um lado, cabe a ele perceber o quanto é importante entender as regras daquele jogo textual da mesma forma que precisará entender muitas regras veladas ou desveladas dos jogos que a vida oferece na sociedade, no trabalho ou nas relações; por outro lado, sempre que vejo um texto que impacta de maneira profunda a forma como enxergo o mundo, sinto que devo mudar os meus critérios…